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Peter Drucker
Peter Drucker

Além da revolução da informação

Artigo de Peter Drucker

 

            Peter Drucker nasceu na Áustria em 1909, filho de um funcionário público liberal que foi um dos criadores do famoso Festival de Salzburgo. De certo modo, isso lhe conferiu uma trajetória única, que o levou a ser considerado o “pai da administração moderna”. Passou a juventude na interessante Viena do período entra guerras; foi trabalhar na Alemanha como jornalista especializado em finanças para um jornal de Frankfurt; escreveu um ensaio filosófico que o colocou na lista negra dos nazistas e, então, emigrou para a Inglaterra onde se empregou em um banco. Mais tarde, mudou-se para os EUA como correspondente de jornais ingleses. Sua carreira de consultor de empresas começou com o estudo da montadora norte-americana General Motors em 1943. Expert em arte oriental, história e religião, leciona desde 1971 na escola de administração de empresas da Claremont University, que tem seu nome, situada no sul da Califórnia. Publicou mais de 40 livros, entre os quais “Desafios Gerenciais para o Século 21” e “A Sociedade Pós-Capitalista”, e pode-se dizer que em cada um deles previu pelo menos um fenômeno que se concretizou tempos depois. Drucker apontou a ascensão do marketing, o empowerment (ganho de poder e responsabilidade) dos funcionários e o surgimento do trabalhador do conhecimento, entre outras novidades. E até quando adotou um tom de aconselhamento pessoal, como em “O Gerente Eficaz”, mostrou densidade, clareza de idéias e pionerismo. Hoje, Drucker comanda uma fundação para auxiliar organizações sem fins lucrativos a gerenciar-se com sucesso. Curiosidades: muitos executivos dos EUA o vêem como “persona non grata” por ele condenar seus salários exorbitantes.

            O impacto da revolução da informação está apenas começando. Mas a força motriz desse impacto não é a informática, a inteligência artificial, o efeito dos computadores sobre a tomada de decisões ou sobre a elaboração de políticas ou de estratégias. É algo que praticamente ninguém previu nem mesmo se falava há 10 ou 15 anos: o comércio eletrônico – o aparecimentos explosivo da Internet como um canal importante, talvez principal, de distribuição mundial de produtos, serviços e, surpreendentemente, de empregos de nível gerencial. Essa Nova realidade está modificando profundamente economias, mercados, e estruturas setoriais; os produtos e serviços e seu fluxo; a segmentação, os valores e o comportamento dos consumidores; o mercado de trabalho. O impacto, porém, pode ser ainda maior nas sociedades e nas políticas empresariais e, acima de tudo, na maneira como encaramos o mundo e nós mesmos dentro dele.

            Setores novos e inesperados sem dúvida surgirão, e rapidamente. Alguns já chegaram para ficar: a biotecnologia e a criação de peixes. Dentro dos próximos 50 anos a aqüicultura pode nos transformar de caçadores e coletores dos mares (e rios) em pastores – do mesmo modo que uma inovação semelhante transformou, há uns 10 mil anos, nossos ancestrais de caçadores e coletores em pastores e agricultores.

            É provável que outras novas tecnologias apareçam, criando novos e importantes setores. Quais? É impossível adivinhar. Mas é muito provável – na verdade, quase certo – que elas vão aparecer, e logo. É quase certo também que poucas delas nascerão da área da tecnologia de computadores e informação. Como a biotecnologia e a aqüicultura, cada uma emergirá de sua tecnologia singular e inesperada.

            Logicamente, trata-se apenas de previsões. Contudo, elas são feitas segundo a premissa de que a revolução da informação evoluirá como as várias revoluções tecnológicas nos últimos 500 anos, como a revolução da imprensa de Gutenberg, em torno de 1455. Sobretudo, a premissa é que a revolução da informação será como foi a revolução industrial no final do século 18 e início do século 19. E é exatamente assim que tem sido a revolução da informação nestes seus primeiros 50 anos.

 

A revolução industrial e a crise da família

 

            A revolução da informação está atualmente no ponto em que a revolução industrial estava no início da década de 1820, cerca de 40 anos depois da primeira aplicação da máquina a vapor aperfeiçoada de James Watt, em 1785, numa operação industrial – a da fiação do algodão. E a máquina a vapor foi para a primeira revolução industrial o que o computador foi para a revolução da informação – seu gatilho e, acima de tudo, seu símbolo. Quase todos atualmente acreditam que nada na história econômica evoluiu tão depressa nem teve tanto impacto quanto a revolução da informação. No entanto, a revolução da informação no mesmo intervalo de tempo, e provavelmente teve um impacto igual, se não maior. Em um curto período, ela mecanizou a grande maioria dos processos de fabricação, começando pela produção da mercadoria manufaturada mais importante daquela época: os tecidos.

            A Lei de Moore afirma que o preço do elemento básico da revolução da informação, o microchip, cai 50% cada 18 meses. O mesmo ocorreu com os produtos na primeira revolução industrial. O preço dos tecidos de algodão caiu 90% nos 50 anos seguintes à revolução industrial. No mesmo período, a produção de tecidos de algodão aumentou no mínimo 150 vezes na Inglaterra.

            Embora os tecidos fossem o produto mais visível nos primeiros anos, a revolução industrial mecanizou a produção de praticamente todos os tipos de produtos, como papel, vidro, couro e tijolos. Seu impacto de modo algum se limitou aos produtos de consumo. A produção de ferro e derivados – por exemplo, arame – tornou-se mecanizada e movida a vapor na mesma velocidade que a dos tecidos, com os mesmos efeitos sobre custo, preço e produção. No fim das Guerras Napoleônicas, a fabricação de canhões era movida a vapor em toda a Europa. Eles eram feitos de 10 a 20 vezes mais depressa do que antes, e seu custo caiu mais de dois terços.

 

Lutero, Maquiavel e o Salmão

 

                A revolução da impressão foi a primeira das revoluções tecnológicas que criaram o mundo moderno. Nos primeiros anos após 1455, quando Gutenberg havia aperfeiçoado a prensa e os tipos de móveis com que vinha trabalhando havia anos, ela varreu a Europa e mudou completamente sua economia e psicologia. Contudo os livros impressos durante os primeiros 50 anos continham praticamente os mesmos textos que os monges haviam laboriosamente copiado à mão durante séculos: tratados religiosos e o que restava dos escritos da Antigüidade.

Cerca de 60 anos de Gutemberg, surgiu a Bíblia Alemã de Lutero –milhares e milhares de exemplares vendidos quase imediatamente por um preço inacreditavelmente baixo. Com a Bíblia de Lutero, a nova tecnologia de impressão trouxe consigo uma nova sociedade. Ela impulsionou o protestantismo, que conquistou metade da Europa e forçou a Igreja Católica a se reformar.

            Ao mesmo tempo que Lutero usava a imprensa com a pretensa intenção de restaurar o cristianismo, Maquiavel escrevia e publicava “O Príncipe” (1513), o primeiro livro ocidental em mais de mil anos que não continha nenhuma citação bíblica e nenhuma referência aos escritores da Antigüidade. Em pouquíssimo tempo “O Príncipe” tornou-se o outro best seller do século 16. Em pouco tempo havia uma abundância de trabalhos puramente seculares, o que hoje chamamos de literatura: romances e livros sobre ciências, políticas e, a seguir, economia.

            Não demorou muito para nascer a primeira forma de arte puramente secular, na Inglaterra – o teatro moderno. Surgiram também instituições sociais novas: a Companhia de Jesus, a infantaria espanhola, a primeira marinha moderna e, finalmente, o Estado nacional soberano. Em outras palavras, a revolução da impressão seguiu a mesma trajetória seguida pela revolução industrial, que começaria 300 anos depois, a mesma trajetória hoje seguida pela revolução da informação.

            Ninguém ainda sabe dizer o que serão os novos setores e instituições da revolução da informação. Ninguém na década de 1520 previu a literatura secular, muito menos o teatro secular.

            A única coisa que é altamente provável, se não quase certa, é que os próximos 20 anos presenciarão o surgimento de inúmeros novos setores e quase com certeza, poucos deles virão da tecnologia da informação, do computador, do processamento de dados ou da Internet. A aqüicultura é um desses novos setores.

            Há 25 anos o salmão era uma iguaria. Hoje, é um produto cotidiano. A maior parte dos salmões hoje em dia não é apanhada nem no mar nem no rio, mas sim num criadouro artificial. O mesmo acontece com as trutas. Aparentemente, logo isso vai valer para inúmeros outros peixes.    

 

            A essa altura, Eli Whitney havia também mecanizado a fabricação de mosquetões nos Estados Unidos e criado a primeira indústria bélica de produção em massa.

            Esses 40 ou 50 anos deram origem à fábrica e à chamada classe trabalhadora. As duas existiam em número muito reduzido em meados da  década de 1820, mesmo na Inglaterra, mas chegaram a predominar psicologicamente (e politicamente também). Antes de haver fábricas nos Estados Unidos, Alexandre Hamilton, previu um país industrializado em seu “Relatório sobre Manufaturas” de 1791. Uma década mais tarde, em 1803, um economista francês, Jean-Baptiste Sai, viu que a revolução industrial mudara a economia ao criar a figura do empresário.

            As conseqüências sociais superam em muito a fábrica e a classe trabalhadora. Como ressaltou o historiador Paul Johnson, em, “A History of the American people” (Uma História do Povo Americano), de 1997, foi o crescimento explosivo da indústria têxtil baseada na máquina a vapor que reviveu a escravidão. Considerada praticamente morta pelos fundadores da República Americana, a escravidão ressurgiu com vigor quando se criou uma enorme demanda de mão-de-obra barata para descaroçar o algodão – logo depois uma máquina a vapor faria esse trabalho, e a criação de escravos tornou-se o negócio mais lucrativo dos Estados Unidos durante algumas décadas.

            A revolução industrial também teve grande impacto sobre a família. Essa era a unidade de produção até então, com o marido, a mulher e os filhos trabalhando juntos na fazenda e na oficina do artesão. A fábrica, quase pela primeira vez na história, tirou o trabalhador e o trabalho de dentro de casa, deixando os membros da família para trás.

            De fato, a “crise da família” não começou após a Segunda Guerra Mundial. Teve início coma revolução industrial – e na verdade foi uma grande preocupação dos que se opunham à revolução industrial e ao sistema das fábricas. (A melhor descrição do divórcio entre o trabalho e família, e de seus efeitos sobre ambos, é provavelmente o romance “Tempos Difíceis”, de Charles Dickens, de 1854).

 

A revolução industrial e a estrada de ferro

 

            Apesar de todos esses efeitos, contudo, a revolução industrial, em seus primeiros 50 anos, apenas mecanizou a produção de mercadorias que  já existiam havia muito tempo. Ela aumentou tremendamente a produção e diminuiu o custo. Criou tanto consumidores como produtos de consumo. Os produtos feitos nas novas fábricas diferiam dos tradicionais somente pelo fato de que eram uniformes, como menos defeitos do que os produzidos por um dos artesões que não fossem os de alto gabarito.

            Houve apenas uma exceção importante, um produto novo, nesses primeiros 50 anos: o barco a vapor, viabilizado pela primeira vez  Robert Fulton em 1807. Teve impacto 30 ou 40 anos depois. Até quase o fim do século 19, transportava-se mais carga pelos oceanos do mundo em barcos a vela do que em barcos a vapor.

            Mas foi só em 1829 que surgiu um produto realmente sem precedentes, que mudaria para sempre a economia, a sociedade e a política: a ferrovia.

            Olhando a história, é difícil imaginar por que a invenção da ferrovia demorou tanto. Os trilhos para movimentar os carrinhos já existiam nas minas de carvão havia muito tempo. O que poderia ser mais óbvio do que colocar um motor a vapor num carrinho para movimentá-lo, em  vez de empurrá-lo com pessoas ou puxá-lo com cavalos? No entanto, a ferrovia não surgiu dos carrinhos das minas; foi desenvolvida de forma bastante independente. Ela não se destinava a transportar carga; ao contrário, durante muito tempo foi encarada apenas como uma  maneira de transportar pessoas. As ferrovias se tornaram transportadores de carga de 30 anos mais tarde nos Estados Unidos.

            Contudo, foram preciso apenas cinco anos para o mundo ocidental ser engolfado pela maior explosão que a história já presenciou – a explosão da ferrovia. Marcada pelos maiores surtos da história econômica, a explosão continuou na Europa durante 30 anos, até o fim da década de 1850, época em que a maioria das ferrovias importantes atuais já estava construída. Nos Estados Unidos continuou por outros 30 anos, e em outras regiões – como Argentina, Brasil, Rússia asiática e China – até a Primeira Guerra Mundial.

            A ferrovia foi o elemento realmente revolucionário da revolução industrial. Não só criou uma nova dimensão econômica, como também mudou rapidamente o que eu chamaria de geografia mental. Pela primeira vez na história os seres humanos realmente tinham mobilidade. Pela primeira vez os horizontes das pessoas comuns se expandiam. Os contemporâneos imediatamente perceberam que ocorrera uma mudança fundamental de mentalidade. (Pode-se encontrar uma boa descrição disso no que é, seguramente, o melhor retrato da sociedade em transição da revolução industrial, o romance “Middlemarch – Um Estudo da Vida Provinciana”, de George Eliot, de 1871). Como ressaltou o grande historiador francês Fernand Braudel em seu último trabalho importante, “A Identidade da França” (1986), foi a ferrovia que transformou esse país em uma nação e uma cultura. Antes era um aglomerado de regiões independentes, mantidas juntas apenas politicamente. O papel da ferrovia na criação do Oeste norte-americano é, sem dúvida, lugar-comum na história dos Estados Unidos.

 

A revolução da informação e o impacto psicológico

 

            Como a revolução industrial dois séculos atrás, a revolução da informação até agora – isto é, desde os primeiros computadores, em meados da década de 1940 - apenas transformou processos que já existiam. Na verdade, o impacto real da revolução da informação não ocorreu de forma de informação. Quase nenhum dos efeitos da informação vislumbrados há 40 anos realmente se concretizou. Por exemplo, praticamente não houve mudança na forma em que são tomadas as decisões nas empresas ou governos. A revolução da informação apenas transformou em rotina processos tradicionais de inúmeras áreas.

            O software para afinar um piano converte um processo que tradicionalmente levava três horas para algo de 20 minutos. Há software para folhas de pagamentos, para controle de estoque, para programações de entrega e para todos os outros processos de rotina de uma empresa. O projeto das instalações internas de um grande prédio (aquecimento, hidráulica e assim por diante), de um presídio ou de um hospital antigamente envolvia, digamos, 25 projetistas altamente especializados durante 50 dias. Agora, existem programas que permitem que um projetista faça o trabalho em alguns dias, a uma fração ínfima de custo. Existe software que ajuda as pessoas a preencher a declaração de imposto de renda e software que ensina os residentes de hospital a retirar uma vesícula biliar.

            As pessoas que agora especulam on-line na bolsa de valores fazem exatamente o que seus antecessores faziam na década de 1920, quando passavam horas, todos os dias, numa corretora. Os processos não mudaram nada. Eles foram transformados em rotinas, passo a passo, com uma tremenda economia de tempo e, freqüentemente, de custos.

            O impacto psicológico da revolução da informação, como o da revolução industrial, foi enorme. Talvez tenha sido mais forte na maneira como as crianças aprendem. Já aos 4 anos (e às vezes até antes), as crianças desenvolvem habilidades de computação. Logo ultrapassando seus pais. Os computadores são seus brinquedos e seus ferramentas de aprendizado. Daqui a 50 anos, talvez concluamos que não houve nenhuma crise educacional  no mundo – apenas ocorreu uma incongruência crescente entre a maneira como as escolas do século 20 ensinavam e a maneira como as crianças do fim do século 20 aprendiam. Algo semelhante ocorreu na universidade do século 16, cem anos depois da invenção da imprensa e dos tipos móveis.

            A revolução da informação, até agora, simplesmente criou uma rotina para o que sempre foi feito. A única exceção é o CD-ROM, inventado há cerca de 20 anos para apresentar óperas, cursos universitários, a obra de um escritor, de uma forma totalmente nova. Como o barco a vapor, o CD-ROM não foi um sucesso imediato.

 

 

A revolução da Informação e o comércio eletrônico

 

            O comércio eletrônico é para a revolução da informação o que a ferrovia foi para a revolução industrial – um avanço totalmente novo, totalmente sem precedentes, totalmente inesperado. Fazendo uma analogia com a ferrovia de 170 anos atrás, o comércio eletrônico está criando uma nova explosão, mudando rapidamente a economia, a sociedade e a política.

            Um exemplo: uma companhia de médio porte no Centro-Oeste industrial dos Estados Unidos, fundada na década de 1920 e agora dirigida pelos netos do fundador, possuía 60% do mercado de louça barata para lanchonetes, escolas, refeitórios de empresas e hospitais num raio de 160 quilômetros de sua fábrica. A louça é pesada e quebra fácil; assim, a louça barata normalmente é vendida dentro de uma área restrita. Quase da noite para o dia, a companhia perdeu mais da metade seu mercado. Um de seus clientes, um refeitório de hospital, alguém navegou na Internet e descobriu um fabricante europeu que oferecia louça de qualidade aparentemente melhor a um preço menor. Além disso, enviava por avião e a custo baixo. Em poucos meses os principais clientes tinham preferido o fornecedor europeu. Poucos deles, ao que parece, lembram ou se importam que o produto vem da Europa.

            Na então nova geografia mental criada pela ferrovia, a humanidade dominou a distância. Na geografia mental do comércio eletrônico, simplesmente eliminou-se a distância. Existem somente uma economia e um mercado.

            Uma conseqüência disso é que toda empresa deve se tornar competitiva internacionalmente, mesmo que fabrique ou venda apenas em um mercado local ou regional. A concorrência não é mais local; ela desconhece fronteiras. Toda empresa tem de se tornar transnacional na maneira em que opera. Contudo, a multinacional tradicional pode muito bem se tornar obsoleta. Ela fabrica e distribui em inúmeras geografias distintas, nas quais é uma empresa local. Entretanto, no comércio eletrônico, não existem nem empresas locais nem geografias distintas. Existem somente uma economia e um mercado.

            Uma conseqüência disso é que toda empresa deve se tornar competitiva internacionalmente, mesmo que fabrique ou venda apenas em um mercado local ou regional. A concorrência não é mais local; ela desconhece fronteiras. Toda empresa tem de se tornar transnacional na maneira em que opera. Ela fabrica e distribui em inúmeras geografia distintas, nas quais é uma empresa local. Entretanto, no comércio eletrônico, não existem empresas locais nem geografias distintas.

 

Qual deve ser o futuro?

 

            Ainda não se sabe que tipos de produtos e serviços serão comprados e vendidos pelo comércio eletrônico. Isso ocorre sempre que surge um novo canal de distribuição. Por que, por exemplo, a ferrovia mudou a geografia tanto econômica como mental do Oeste norte-americano, ao passo que o barco a vapor – com um impacto semelhante sobre o comércio mundial e o tráfego de passageiros - não mudou nenhum dos dois? Por que não houve a explosão do barco a vapor?

            Não está claro o impacto das mudanças mais recentes dos canais de distribuição – das mercearias locais para o supermercado, do supermercado individual para a cadeia de supermercados e desta a Wal-Mart e outras cadeias de lojas de desconto. A mudança para o comércio eletrônico será igualmente eclética e inesperada.

            Eis alguns exemplos. Nos anos 1970, normalmente se acreditava que dentro de algumas décadas a palavra impressa seria despachada eletronicamente para as telas de computador dos assinantes individuais. Os assinantes leriam o texto na tela de um computador ou o carregariam no computador e o imprimiriam. Essa era a premissa por trás do CD-ROM. Assim, inúmeros jornais e revistas iniciariam operações on-line. Poucos, até agora, tornaram-se minas de ouro. No entanto, há 20 anos, qualquer um que previsse um negócio como a Amazon – livros vendidos na Internet, mas entregues em sua pesada forma impressa - seria ridicularizado. Entretanto, a Amazon faz esse negócio no mundo inteiro. O primeiro pedido para a edição norte-americana de meu livro mais recente, “Desafios Gerenciais para o Século 21”, veio da Argentina pela Amazon.

            Outro exemplo: há dez anos uma das principais indústrias automobilísticas do mundo realizou um minucioso estudo do impacto esperado da então emergente Internet sobre as vendas de automóveis. O estudo concluiu que a Internet se tornaria um importante canal de distribuição para carros usados, mas que os clientes ainda assim iam querer ver os carros novos, tocá-los, dirigi-los. Na verdade, pelo menos até agora, a maioria dos carros usados continua sendo comprada num pátio de venda de carros. Contudo, nos EUA, a compra de quase metade dos carros novos (excluindo os de luxo) já passa pela Internet em algum momento. O que isso significa para o futuro das revendas locais de automóveis, o pequeno negócio mais lucrativo do século 20?

            Mais um exemplo: os operadores da época do boom da bolsa de valores dos EUA em 1998 e 1999 estão cada vez mais comprando on-line. Entretanto, os investidores estão distanciando da compra eletrônica. O principal veículo de investimento dos norte-americanos são os fundos mútuos. Embora quase metade das cotas de fundos fosse, há alguns anos, comprada eletronicamente, estima-se (em 2000) que esse número caia para 20% até 2005. Isso é o oposto do que todos esperavam há 10 ou 15 anos.

            O comércio eletrônico de crescimento mais rápido nos EUA está na área em que não havia comércio até agora: empregos para profissionais e gerentes. Quase 50% das maiores empresas do mundo recrutam pessoas por meio de websites, e cerca de 2,5 milhões põem seu currículo na Internet e solicitam emprego por ela. O resultado é um mercado de trabalho totalmente novo.

            Isso ilustra outro efeito importante do comércio eletrônico: novos canais de distribuição mudam os clientes. Mudam não só sua forma de comprar, mas também o que compram. Eles mudam o comportamento de consumidor, os padrões de poupança, a estrutura industrial – em suma, toda a economia.

 

 

A lição dos profissionais da revolução industrial

 

            Os novos setores que emergiam após a ferrovia deviam pouco tecnologicamente à máquina a vapor ou à revolução industrial em geral. Eles não eram “filhos de sangue”, mas sim “filhos de espírito”. Só foram possíveis por causa da mentalidade que a revolução industrial criara e das capacitações que desenvolvera. Essa mentalidade que aceitava e recebia produtos e serviços.

            Ela também criou os valores sociais que possibilitaram os novos setores. Acima de tudo, criou o tecnólogo. O sucesso social e financeiro havia muito desafiava o primeiro tecnólogo importante dos Estados Unidos, Eli Whitney, cujo descaroçador de algodão, em 1793, foi tão importante para o sucesso da revolução industrial como a máquina a vapor. Uma geração mais tarde, o tecnólogo – ainda autodidata tornara-se o herói popular norte-americano e era aceito e recompensado tanto social como financeiramente. Samuel Morse, o inventor do telégrafo, pode ter sido o primeiro exemplo; Thomas Edison tornou-se o mais famoso. Na Europa, o homem de negócios por muito tempo continuou sendo um ser socialmente inferior, e o engenheiro formado em universidade, por volta de 1830 ou 1840, havia se tornado um profissional respeitado.

            Em cerca de 1950, a Inglaterra perdia sua hegemonia e começava a ser uma economia industrial sobrepujada primeiro pelos Estados Unidos e depois pela Alemanha. Embora se mantivesse como a grande potência industrial até a Primeira Guerra Mundial – os corantes sintéticos, os primeiros produtos da moderna indústria química, foram inventados na Inglaterra, assim como a máquina a vapor, o país não aceitou socialmente o tecnólogo. Ele nunca se tornou um cavalheiro. Nenhum outro país considerava tanto o cientista e, de fato a Inglaterra conservou a liderança em física durante o século 19, desde James Clerk Maxell e Machael Faraday até Ernest Rutherford. Contudo, o tecnólogo continuava sendo um comerciante. (Charles Dickens, por exemplo, mostrava um desdém evidente pelo mestre-ferreiro bem-sucedido em seu romance “Bleak House”, de 1853).

Outro problema: a Inglaterra também não criou o investidor capitalista, que possui os meios e a mentalidade para financiar o inesperado e não comprovado. Embora já existisse o banco comercial para financiar o comércio, não havia instituição para financiar a indústria até que dois refugiados alemães, S.G. Warburg e Henry Grunfeld abriram um banco de negócios em Londres, pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Já era tarde; nos EUA, o investidor capitalista foi institucionalizado na década de 1840 por J. P. Morgan.

 

O futuro dos profissionais da revolução da informação

 

            O que será necessário para impedir que os Estados Unidos se tornem a Inglaterra do século 21? Estou convencido de que é necessária uma mudança drástica na mentalidade social, do mesmo modo que a liderança na economia industrial posterior à ferrovia exigiu a mudança drástica da comerciante para o tecnólogo ou engenheiro.

            O que chamamos de revolução da informação na verdade é uma revolução do conhecimento. O que possibilitou fazer a rotina de processos não foram as máquinas; o computador é apenas o gatilho. O software é a reorganização do trabalho tradicional, baseada em séculos de experiência, por meio da aplicação do conhecimento e, principalmente, de análise sistemática e lógica. O segredo não é a eletrônica, mas sim a ciência cognitiva. O segredo pra manter a liderança na nova economia e na nova tecnologia vai ser a posição dos trabalhadores do conhecimento. Tratar esses profissionais como empregados tradicionais seria o mesmo que fez a Inglaterra ao tratar seus tecnólogos como comerciantes –e provavelmente com conseqüências semelhantes.

            Atualmente, contudo, estamos tentando ficar em cima do muro – manter a mentalidade tradicional, na qual o capital é o recurso-chave e o financiador é o chefe, enquanto subornamos os trabalhadores do conhecimento dando-lhes bonificações e opções de compra de ações. No entanto, isso só funcionará – se funcionar - se os setores emergentes tiverem uma explosão no mercado de ações, como ocorreu com as empresas da Internet. É provável que os próximos setores importantes se comportem muito mais como os setores tradicionais – isto é, crescer lenta, dolorosa e arduamente. Os primeiros setores da revolução industrial, tecelagens, ferro, ferrovias foram explosivos e criaram milionários da noite para o dia, como os banqueiros investidores de Balzac. Entretanto, isso levou uns bons 20 anos, e foram 20 anos de trabalho árduo, luta, fracassos, poupança.

            Subornar os trabalhadores do conhecimento não vai funcionar. Os principais trabalhadores do conhecimento desses negócios seguramente esperarão compartilhar financeiramente os frutos de seu trabalho. No entanto, é provável que os frutos financeiros levem muito mais tempo para amadurecer, se é que vão. Provavelmente, dentro de mais de dez anos, tocar um negócio visando enriquecer o acionista como primeira meta e justificativa será contraproducente. Cada vez mais o desempenho nesses novos setores baseados em conhecimento dependerá de gerenciar para atrair, manter e motivar os trabalhadores do conhecimento. Isso terá de ser feito de algum modo: satisfazendo seus valores, dando-lhes reconhec[1]imento social e poder. Isso terá  de ser feito pela transformação de subordinados em colegas executivos e de empregados, por  mais bem pagos que sejam em sócios.

 

 



[1] DRUCKER Peter; Godin Seth; Negroponte Nicholas; Albrecht Karl; Tapscott Don; Kevin Kelly. Feeny David; Creighton James; Willcocks Leslie; Goldberg Beverly; Davidow William; Penzias Arno; Adms James; Urban Glen; Sultan Fareena; Qualls Willian. E-business e teconologia, páginas 85 à 96. São Paulo:Publifolha, 2001. – (Coletânea HSM management).